Luzes, cores e sabores. A magia da cidade da Bahia

A cidade negra da Bahia, plantada no alto da montanha e derramando-se sobre o imenso mar, ora azul, ora verde-esmeralda, abençoada por uma legião de santos e deuses do culto católico e do candomblé africano, sempre teve a fama de conquistar a alma e o coração de quem a visita. Dificilmente uma pessoa sensível não se renderia à beleza e à magia desta Roma Negra, misteriosa e sedutora, que há vários séculos vem seduzindo poetas, compositores, pintores, boêmios e artistas. Foi assim com Hansen, que vindo da Alemanha, acabou apaixonando-se a ponto de anexar o nome da cidade ao seu próprio, transformando-o em Hansen Bahia. Foi assim com Pierre Verger, o mago da fotografia, que, nascido de nobre família francesa,aqui se tornou babalorixá e um dos mais respeitados conhecedores dos segredos da religião africana, divulgando a Bahia pelo mundo afora. Assim foi, também, com Carybé, nascido em Lanus na Argentina e que se tornaria o mais baiano dos nossos pintores, todos deslumbrados e rendidos às cores, aos cheiros e principalmente à luz desta cidade tão luminosa, que tudo transforma, tudo recria.

Ah se tens amor à tua terra, não venhas à Bahia, sejas de Roma, Atenas, Budapeste, Rio de Janeiro, Manaus, Curitiba ou São José do Rio Preto, pois corres um grande risco de deixar-te seduzir pelos becos e ladeiras íngremes que levam aos casarões repletos de histórias e lendas, onde mora um povo mestiço, sensual e hospitaleiro, sempre de braços dados com a dança e a alegria.E nas malhas e tramas do mistério que só essa cidade tem,ela, que já fez tantos perderem sua cidadania - Rescala, Jenner, Dimitri, Floriano e outros,parece ter também seduzido Cristiana de Freitas, paulista de São José do Rio Preto.Vinda da terra José Antônio da Silva, pintor naïf dos mais conhecidos do Brasil, cuja obra a Bahia conheceu nos salões da SBBA e Bienais Nacionais da Bahia e, mais recentemente, pelas mãos da própria Cristiana, na mostra de sua Via Sacra, no MAB em abril próximo passado, esta fotógrafa parece ter herdado do conterrâneo o gosto pelas cores fortes e formas exuberantes. Com pouca vivência na Bahia, cidade que conheceu há pouco mais de um ano, Cristiana de Freitas soube como poucos perceber a luz, as formas e as cores da primeira capital do Brasil.

Suas imagens captam ângulos de ruas, telhados, portadas, raras vezes vistos, iluminados pelo sol da tarde, carregados de luz e sombra, denunciando sem querer o descaso com a preservação do patrimônio histórico e a precariedade em que vive o povo humilde da Bahia, tornando-se, assim, além de foto-documento, uma denúncia social. Mas é nas feiras e nos mercados populares que Cristiana conseguiu clicar, com muita maestria, a riqueza do artesanato e a profusão de cores das frutas e ingredientes da culinária da Bahia. Dando preferência às cores primárias e complementares, ao contraste de luz e sombra, produziu com muita felicidade fotos que retratam as barracas de venda de jenipapo e aipim, pimenta malagueta (onde o vermelho e o verde contrastantes lembram o conterrâneo famoso). Com seu olhar perspicaz, fotografou o cais de Água de Meninos , hoje São Joaquim, com sua água morna onde singram os barcos e os saveiros vindos do Recôncavo, trazendo as frutas frescas, a farinha, os beijus, o camarão seco, a pimenta, o azeite de dendê, que mais tarde farão a delícia dos pratos típicos nas casas, nos restaurantes e nos tabuleiros, que se espalham pelas ruas e praças da cidade da Bahia. Sua marinha aqui exposta lembra os quadros de Mendonça Filho, Presciliano Silva e Alberto Valença.

O povo da Bahia se faz presente na sensual baianidade de Rachid, com seu belo penteado de contas azuis, fazendo contraponto com o mar verde-esmeralda, tal como um Deus Negro vindo das terras de Ogum para seduzir as loiras sereias das praias da Bahia de Todos os Santos; na postura de rainha de Negra Jô, na elegância de Sônia, no discreto charme de Antônio Marcelino, colecionador de postais e alfarrábios, um sergipano que há anos também se rendeu aos encantos de Salvador, incorporando-se às celebridades da verdadeira Bahia. Cristiana, com seu charme e seu sorriso encantador, conquistou e foi conquistada por Jayme Fygura, artista performático para uns, esquisito e enigmático para muitos, sempre visto desfilando com um guarda-roupa extravagante, criado pelo próprio, sempre de negro, feito de pesados tecidos ou borracha, escondendo sua face com máscaras e arrastando correntes, em pleno sol de 30°, num misto de protesto e loucura, contribuindo assim para personificar esta cidade, que Cristiana tão bem soube captar com sua lente mágica.

As fotografias de Cristiana expressam, através das cores, formas, composição e temática um canto de amor à cidade no que ela tem de mais autêntico: seu casario colonial, sua paisagem, seus costumes, suas frutas, sua religiosidade, sua produção artesanal e, principalmente, sua gente mestiça, sempre com um sorriso nos lábios, uma ginga matreira e um mistério no olhar.

José Dirson Argolo


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